Alimentação como Ato de Afeto: Reflexões e Memórias

Elissa Fichtler • May 22, 2024

A alimentação transcende o ato de nutrir o corpo, entrelaçando-se com significados profundos de afeto e cuidado. Feche os olhos e pense nas suas comidas preferidas; que emoções surgem? Quais memórias são evocadas? Talvez se lembre de alguém especial, de momentos compartilhados ao redor da mesa, ou de sabores que transportam para tempos e lugares específicos.


Alimentar também é um elo entre a ancestralidade, o presente e o futuro. Cada cultura alimentar reflete as relações entre as pessoas, o clima e os alimentos disponíveis. A história da culinária é uma jornada de evolução e miscigenação de saberes. Ferreira (2013) destaca que a identidade única dos doces brasileiros é fruto da combinação de tradições indígenas, africanas e portuguesas. Tavares (2018) argumenta que a comida pode provocar sensações além da saciedade, resgatando lembranças e emoções.


A globalização vem trazendo para as mesas brasileiras, padrões homogêneos de consumo, pobres em proteína, nutrientes, afeto e sabor. Na Acorde, vamos na contramão desse movimento, resgatando os sabores e saberes de diversas culturas e os alimentos de diferentes regiões do Brasil.


Essa nossa conexão com a cozinha e os alimentos é de longa data. Há muitos anos, jantares foram realizados para promover a conexão entre as pessoas e entre elas e a Acorde. Nesses encontros, surgiram os primeiros doadores e alguns permanecem doando até hoje.


Daquela época para os dias atuais, muitas coisas mudaram. Alimentamos - de segunda a sexta-feira - mais de 270 crianças e adolescentes que participam dos nossos programas socioeducativos. São mais de 100 mil refeições servidas todos os anos, reconhecendo a alimentação como um direito essencial para todas as crianças e jovens nas principais fases de desenvolvimento.


Além de garantir a alimentação da garotada, a Acorde realiza o projeto “Culinarte” cujo objetivo é promover gratuitamente o acesso de 200 crianças, adolescentes e jovens às oficinas de culinária. No projeto, valorizamos as técnicas, mas não só. Valorizamos o compartilhar, o tempo de plantio e colheita, o preparo das receitas familiares. As técnicas ensinadas pelas educadoras acabam sendo boas desculpas para promover novos conhecimentos, significados e sabores.


Os resíduos orgânicos gerados na cozinha retornam à composteira, nutrindo os canteiros com novo vigor. Em contato com alimentos raros como lagosta e polvo, e ao descobrir as singularidades das gastronomias regionais, os participantes expandem seus horizontes alimentares.


A experiência, que os convida a experimentar e degustar promove hábitos mais saudáveis. Cada oficina também é um convite para o desenvolvimento de outras áreas do saber, como ética, saúde, meio ambiente, matemática, português, história, reciclagem e reaproveitamento de resíduos. Mais que cozinhar, eles aprendem histórias e tradições, onde os sabores guardados na memória revelam quem são e de onde vieram.


Nós alimentamos, preparando e servindo refeições mais saudáveis para as crianças, adolescentes e jovens.

Nós alimentamos, por meio do conhecimento e experiências adquiridas nas oficinas de culinária por eles.


Mas a melhor maneira de descrever o que de fato fazemos, pegamos emprestada a belíssima frase de Mia Couto:


“Cozinhar não é um serviço. Cozinhar é um modo de amar os outros.”



 

Dedicamos esse texto à @comgás, parceira do projeto Culinarte e a todos os seus voluntários e voluntárias.


Agradecemos a Eva, Nete e Sil no preparo diário das refeições das crianças e adolescentes, sem esquecer das educadoras de culinária Sofia e Eduarda, que ao compartilharem conhecimentos, fortalecem a Acorde como um espaço de pertencimento e construção de boas memórias.

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